Poder Judiciário

Todo cidadão sabe que não existe Estado Democrático de Direito sem a eficácia plena do Poder Judiciário. Não é por outra razão que se reconhece ao Magistrado a maior importância social de suas nobres funções. Não é por outra razão que se exige vocação e conduta ilibada e, pode-se dizer, um grau de cultura acima do normal, bem como formação sólida e muita firmeza pessoal no que concerne ao caráter e a honra. Quando uma pessoa ingressa na Magistratura por achar que vai ali triunfar materialmente, vai se tornar rica, ter-se-á, aí, a mais repugnante das criaturas humanas. Um Magistrado verdadeiro jamais venderia uma sentença, pois sua formação lhe diz que seria vender a própria alma ao demônio; seria repetir a crucificação de Jesus.
Dito tudo isso, pergunta-se: nosso País, o Brasil, é realmente um Estado Democrático de Direito?
Ser pessimista não me parece uma postura exemplar de amor à Pátria. Por isso, sugiro uma reflexão sobre alguns dos ensinamentos de nosso inesquecível Mestre Ruy Barbosa, como forma de estímulo à reflexão. Aliás, para falar desse grande brasileiro, é oportuno que se saiba antes o que sobre ele disse um dos homens de maior cultura de sua época, no mundo, o Imperador do Brasil, D. Pedro II. Em 1890, D. Pedro II disse: “Nas trevas que caíram sobre o Brasil, a única luz que alumia, no fundo da nave, é o talento de Ruy Barbosa.”
Em 1910, em sua campanha à presidência, o pensamento de Ruy Barbosa sobre a Educação resumia-se nestas palavras:”O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais realmente da verdade e moralidade, com que se pratica, do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagrem.”

Em seu famoso discurso como paraninfo de uma das turmas de formandos em Direito da Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, Ruy Barbosa deixou seu importantíssimo ensinamento aos futuros operadores do Direito. Na parte que cuidou dos futuros Magistrados assim se expressou:
“Não julgueis por considerações de pessoas, ou pelas do valor das quantias litigadas, negando as somas, que se pleiteiam, em razão da sua grandeza, ou escolhendo, entre as partes na lide, segundo a situação social delas, seu poderio, opulência e conspicuidade. Porque quanto mais armados estão de tais armas os poderosos, mais inclinados é de recear que sejam à extorsão contra os menos ajudados da fortuna; e, por outro lado, quanto maiores são os valores demandados e maior, portanto, a lesão argüida, mais grave iniqüidade será negar a reparação, que se demanda.

Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; Preservai, juízes de amanhã., preservai vossas almas juvenis desses baixos e abomináveis sofismas. A ninguém importa mais do que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer cobardia. Todo o bom magistrado tem muito de heróico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema, senão da outra justiça, assente, cá embaixo, na consciência das nações, e culminante, lá em cima, no juízo divino.
Não tergiverseis com as vossas responsabilidades, por mais atribulações que vos imponham, e mais perigos a que vos exponham. Nem receeis soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder. O povo é uma torrente, que rara vez se não deixa conter pelas ações magnânimas. A intrepidez do juiz, como a bravura do soldado, o arrebatam, e fascinam. Os governos investem contra a justiça, provocam e desrespeitam a tribunais; mas, por mais que lhes espumem contra as sentenças, quando justas, não terão, por muito tempo, a cabeça erguida em ameaça ou desobediência diante dos magistrados, que os enfrentem com dignidade e firmeza.
Os presidentes de certas repúblicas são, às vezes, mais intolerantes com os magistrados, quando lhes resistem, como devem, do que os antigos monarcas absolutos…
Os tiranos e bárbaros antigos tinham, por vezes, mais compreensão real da justiça que os civilizados e democratas de hoje. Haja vista a história, que nos conta um pregador do século XVII.
“A todo o que faz pessoa de juiz, ou ministro”, dizia o orador sacro, “manda Deus que não considere na parte a razão de príncipe poderoso, ou de pobre desvalido, senão só a razão do seu próximo…Bem praticou esta virtude Canuto, rei dos Vândalos, que, mandando justiçar uma quadrilha de salteadores, e pondo um deles embargos de que era parente d’El-Rei, respondeu: Se provar ser nosso parente, razão é que lhe façam a forca mais alta”…
Outro ponto dos maiores na educação do magistrado: corar menos de ter errado que de se não emendar. Melhor será que a sentença não erre. Mas, se cair em erro, o pior é que se não corrija. E, se o próprio autor do erro o remeditar, tanto melhor; porque tanto mais cresce, com a confissão, em crédito de justo, o magistrado, e tanto mais se soleniza a reparação dada ao ofendido.
…Não anteponhais o draconianismo à eqüidade. Dados a tão cruel mania, ganharíeis, com razão, conceito de maus, e não de retos.
Não cultiveis sistemas, extravagâncias e singularidades. Por esse meio lucraríeis a néscia reputação de originais; mas nunca a de sábios, doutos, ou conscienciosos.
Não militeis em partidos, dando à política o que deveis à imparcialidade. Dessa maneira venderíeis as almas e famas ao demônio da ambição, da intriga e da servidão às paixões mais detestáveis.
Não cortejeis a popularidade. Não transijais com as conveniências. Não tenhais negócios em secretarias. Não delibereis por conselheiros, ou assessores. Não deis votos de solidariedade com outros, quem quer que sejam. Fazendo aos colegas toda a honra, que lhes deverdes, prestai-lhes o crédito, a que sua dignidade houver direito; mas não tanto que delibereis só de os ouvir, em matéria onde a confiança não substitua a inspeção direta. Não prescindais, em suma, do conhecimento próprio, sempre que a prova terminante vos esteja ao alcance da vista, e se ofereça à verificação imediata do tribunal.
Por derradeiro, amigos de minha alma, por derradeiro, a última, a melhor lição da minha experiência. De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas cinco palavras:
Não há justiça, onde não haja Deus.
Quereríeis que vo-lo demonstrasse? Mas seria perder tempo, se já não encontrastes a demonstração no espetáculo atual da terra, na catástrofe da humanidade. O gênero humano afundiu-se na matéria, e no oceano violento da matéria flutuam, hoje, os destroços da civilização meio destruída. Esse fatal excídio está clamando por Deus. Quando ele tornar a nós, as nações abandonarão a guerra, e a paz, então, assomará entre elas, a paz das leis e da justiça, que o mundo ainda não tem, porque ainda não crê.
A justiça humana cabe, nessa regeneração, papel essencial. Assim o saiba ela honrar. Trabalhai por isso os que abraçardes essa carreira, com a influência da altíssima dignidade que do seu exercício recebereis”.
Em sua famosa análise sobre o julgamento de Jesus, Ruy está vivo e oportuno, no trecho que abaixo se transcreve:
“De Anás a Herodes o julgamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pelas facções, pelos demagogos e pelos governos. A sua fraqueza, a sua inocência, a sua perversão moral crucificaram o Salvador, e continuam a crucificá-lo, ainda hoje, nos impérios e nas repúblicas, de cada vez que um tribunal sofisma, tergiversa, recua, abdica. Foi como agitador do povo e subversor das instituições que se imolou Jesus. E, de cada vez que há precisão de sacrificar um amigo do direito, um advogado da verdade, um protetor dos indefesos, um apóstolo de idéias generosas, um confessor da lei, um educador do povo, é esse, a ordem pública, o pretexto, que renasce, para exculpar as transações dos juízes tíbios com os interesses do poder. Todos esses acreditam, como Pôncio, salvar-se, lavando as mãos do sangue, que vão derramar, do atentado, que vão cometer. Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde.” (A imprensa, Rio, 31 de março de 1899”.

Minhas observações finais são no sentido de nos mantermos, todos nós brasileiros, esperançosos de que Nosso País ainda será um exemplo de prática da verdadeira Justiça, partindo da convicção de que, se aqui tivemos grandes Mestres do Direito, seus ensinamentos podem ser retomados a qualquer momento. Quando isso ocorrer, vamos deixar de permitir que grandes empresas, estrangeiras ou nacionais, escravizem nossos jovens, com o apoio de maus brasileiros mascarados, inclusive, de sindicalistas. Quando isso ocorrer o Brasil será um Estado Democrático de Direito. Por enquanto… Felizmente, conhecemos Magistrados de elevado conceito e que merecem o respeito de todos.

São Paulo, 8 de junho de 2009.
Francisco Calasans Lacerda
– Presidente –

 

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